O período dos primeiros 1.000 dias de vida (desde a concepção até os dois anos de idade) é decisivo para a definição da saúde da criança e do futuro adulto. É nesse período que a morbimortalidade infantil pode ser reduzida por intervenções adequadas do sistema de saúde, da família, do obstetra e do pediatra por ações básicas como acesso a um pré-natal estruturado, nutrição adequada na gestação, suplementação de ferro e de ácido fólico, realização de exames, assistência médica para o parto, pediatra em sala de parto e acompanhamento de puericultura desde a primeira semana de vida pós-natal.
Esta consulta estabelece um canal de comunicação entre o obstetra, a família e o pediatra, o que pode proporcionar a redução do número de cesarianas, pela discussão sobre as vias de parto e seu impacto sobre o RN, o estímulo à amamentação e tantos outros pontos que podem ser esclarecidos.
A antecipação da assistência pediátrica favorece a construção precoce de vínculo com a família, o que pode impactar positivamente sobre a revitalização da puericultura e suas medidas de prevenção e promoção da saúde.
Durante esta intervenção eminentemente preventiva, devem ser abordados vários aspectos da gestação, parto, nascimento e acompanhamento da saúde da criança, como:
a) Intercorrências no pré-natal: esclarecer sobre o diagnóstico pré-natal de doenças maternas, síndromes genéticas e malformações, objetivando orientar, apoiar e envolver a família nos cuidados adequados às crianças com necessidades especiais. Agir como facilitador para a aceitação do filho e orientar sobre os cuidados necessários; respeitar as dificuldades e a negação da família pode ajudar a amenizar o impacto da notícia de anomalias fetais para a família;
b) Prevenção de doenças infecciosas: investigar infecções intercorrentes na gestação e esclarecer sobre a possibilidade de transmissão vertical. É também o momento de orientar sobre a vacinação da gestante, da puérpera e do núcleo familiar, bem como sobre as primeiras vacinas do RN;
c) Vias de parto: a indicação da via de parto (vaginal ou cesárea) deverá ser discutida com o obstetra e com o casal, sempre buscando o melhor para o binômio mãe-filho. Conhecimentos mais recentes sobre a microbiota intestinal do RN tem se somado aos benefícios já conhecidos do parto por via vaginal. Estudos têm relacionado a cesariana à maior ocorrência de doenças alérgicas em crianças, podendo aumentar em 20% o risco de rinite/ asma quando comparado com o parto pela via vaginal. Isso porque o RN não entra em contato com a microbiota materna do canal de parto e pode desenvolver uma microbiota favorável à desregulação da resposta imunológica;
d) Assistência pediátrica em sala de parto: orientar a família sobre todas as ações do pediatra em sala de parto, e que sua presença é indispensável para um nascimento seguro; o uso da vitamina K via intramuscular para evitar a doença hemorrágica do RN e o uso de colírio para prevenção de conjuntivite infecciosa no RN;
e) Aleitamento materno: esta consulta é um valioso instrumento para otimizar a amamentação e desmistificar conceitos que atrapalham o aleitamento materno. Deve incluir orientações sobre o cuidado e o preparo das mamas, o início precoce da amamentação e a sua manutenção de forma exclusiva até os seis meses e complementada até os dois anos de idade. Também deve ser discutida a pega adequada como prevenção de fissuras em mamilos, as técnicas de extração, conservação e oferta do leite materno extraído, quando necessário, a contraindicação do aleitamento “cruzado” e do uso de chupetas e mamadeiras. Por outro lado, mulheres que apresentam contraindicações à amamentação necessitam de apoio, que deverá ser oferecido nesta consulta.
f) Testes de triagem neonatal: conscientizar sobre a importância não só de realizá-los, mas também de mostrar os resultados ao pediatra o mais precocemente possível;
g) Impacto do nascimento da criança para a família: discutir sobre as mudanças na rotina familiar e sua adaptação à chegada do RN, fatores que possam interferir na estabilidade emocional dos pais e irmãos e oferecer estra- tégias para redução da ansiedade familiar;
h) Aspectos gerais sobre os cuidados com o RN: orientar os pais para prestar os cuidados adequados ao bebê, desde o nascimento até a alta da maternidade e em casa, incluindo o cuidado noturno, o manejo do coto um- bilical, os banhos, a higienização às trocas de fraldas, a adoção da posição “de barriga para cima” para dormir e a lavagem das mãos como a técnica mais eficaz para evitar infecções. Abordar ainda o choro como forma de comunicação do bebê, não necessariamente relacionado a dor e sofrimento e as estratégias usadas para seu controle; as cólicas, as regurgitações, a aerofagia durante as mamadas e a indicação de colocar o bebê para “arrotar” depois das mamadas, o padrão de sono fracionado, com despertares frequentes durante a noite e a perda fisiológica de peso esperada na primeira semana de vida;
i) Segurança da criança: preparar os pais para os cuidados adequados ao bebê, para identificar os sinais de alerta no RN que podem sugerir riscos para a saúde da criança (vômitos, diarreia, febre, distensão abdominal, letargia, ganho de peso insuficiente) e para adotar medidas de segurança em casa e no transporte;
j) Abertura de espaço livre para a família e por outras demandas: esclarecer e orientar outras dúvidas da família para proporcionar maior segurança nos cuidados aos seus filhos.
É um momento propício ainda para orientar sobre a realização da primeira consulta de puericultura dentro da primeira semana de vida e ressaltar a importância da assistência pediátrica para a prevenção de doenças e a promoção da saúde da criança e do adolescente.
Esta consulta pode auxiliar no resgate da puericultura, abandonada por muitas famílias que tem buscado apenas os serviços de urgências e emergências.
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